Parlamentar alerta para laicidade em eventos institucionais
Da tribuna da Câmara Municipal de João Pessoa (CMJP), na sessão ordinária desta quinta-feira (10), o vereador Tibério Limeira (PSB) publicizou, em seu total teor, uma carta da professora de Arquitetura e Urbanismo da Instituto de Educação Superior da Paraíba (Iesp), Dayse Luckwü Martins, denunciando a falta de laicidade em um evento promovido pela Casa. A professora, mãe de um aluno que seria homenageado pela CMJP, relatou que foi convidada para um evento de homenagem e participou de uma doutrinação religiosa.
Em seu relato, a professora destaca que foi convidada, enquanto mãe, a participar da sessão que homenagearia alunos de escolas públicas e privadas da cidade ganhadores de medalhas nacionais e internacionais em olimpíadas do conhecimento. “Na abertura dos trabalhos, anunciou-se a leitura de um Salmo bíblico por uma representante da Igreja Betel, fato que causou espanto, uma vez que o ato de agradecimento, era justo, mas deveria ser ecumênico, em respeito à diversidade de crenças dos que lá se encontravam, considerando que pertencemos a um Estado laico”, relatou a professora.
“O espanto virou indignação com a continuidade do ato, quando a referida pessoa fez a seguinte observação: ‘alguns dizem que somos descendentes dos macacos’, em uma referência à teoria darwiniana da evolução. Disse ela ainda, ‘isso não podia ser, aqueles rostos eram a imagem de Deus’. Passamos a perceber que o caráter religioso assumiu o protagonismo do ato, em detrimento do objetivo ao qual seria destinado, o reconhecimento dos alunos ali presentes”, afirmou a docente.
O vereador Tibério Limeira fez questão de defender a laicidade do Estado e o respeito à pluralidade de crenças e pensamentos. “Precisamos manter o caráter laico e equilibrado desta Casa, não se pode pregar o ódio a qualquer tipo de crença. Um evento grandioso e importante, com mais de mil pessoas, promovido pela CMJP, não pode fazer doutrinação religiosa ou qualquer tipo de doutrinação”, arguiu o vereador.
Ainda segundo a professora universitária, a vereadora Eliza Virgínia (PP) mencionou que professores usavam a sala de aula para doutrinação, e que o ensino não poderia seguir nenhuma ideologia, mesmo reportando-se sempre à religião em sua fala. Em outro trecho lido pelo vereador, a professora destaca que a vereadora combate o que apregoa .“A vereadora utilizava-se do ato para combater o que considera ideologia, mas seu discurso mostrava-se completamente ideológico”, alegou Dayse Luckwü.
“Nesse momento, estava claro o intuito da referida vereadora, usar o ato da homenagem para autopromoção e fazer sim, um discurso ideológico pautado em suas próprias crenças religiosas, sem o respeito à diversidade dos que ali estavam. A menção honrosa intitulada José Lins do Rego, atribuída pela Casa Napoleão Laureano aos estudantes de nossa cidade, independente de quem a tenha instituído, é um reconhecimento merecido e um incentivo ao ensino em um momento de tantas fragilidades e ataques à educação em nosso país. Mas, que seja esse, de fato, o seu real propósito, uma vez que carrega o nome da Câmara de Vereadores, esses que só estão lá porque foram escolhidos pelo povo”, finalizou e assinou a professora Dayse Luckwü Martins .
Parlamentares rebatem fala da docente
A vereadora Eliza Virgínia (PP) se disse perplexa com o que estava ouvindo e alegou que a presidente do Betel estava lembrando Ariano Suassuna, em cuja homenagem se deu nome ao Teatro Pedra do Reino. “Nosso Regimento Interno diz que toda sessão deve começar com a leitura do texto bíblico”, afirmou. A parlamentar sugeriu que, se algum vereador quiser retirar a leitura do texto bíblico do Regimento Interno apresente um projeto de lei e tente aprovar em Plenário. “Não vejo quebra de laicidade aqui. Quem doutrina é professora cristofóbica, que existe em escolas do estado. Nunca entrei em sala de aula para doutrinar aluno. Fui ao gabinete do diretor para conversar sobre denuncias recebidas, e irei cada vez que receber denúncia sobre doutrinação em sala de aula”, asseverou.
O vereador Carlão (DC) também expressou perplexidade ao que estava ouvindo. “Eu não sei o que dizer: uma leitura do texto bíblico causar sofrimento e constrangimento. Não consigo entender tudo que foi narrado por essa mãe. Nós sabemos que o Estado é laico, mas a sociedade não é laica. Por que será que a pluralidade só vale para os que são contra o cristianismo? Não entendo Cristo causar incômodo”, questionou.
A vereadora Raíssa Lacerda (PSD) disse que estava chocada. “Eu me alimento todo dia da palavra de Deus. Vivemos pela graça de Deus, é Ele que nos capacita, vivemos por obra e graça Dele. A gente não é nada, a gente é pó. Sem Deus não sou nada”, afirmou.
Ao finalizar seu pronunciamento, Tibério Limeira ratificou a importância do respeito à espiritualidade de cada um. “Peço desculpas por tantas barbaridades faladas aqui agora. O Estado é laico e a sociedade é diversa. Devemos, enquanto representantes públicos, respeitar a espiritualidade de cada um. Não se questiona a leitura da palavra da bíblia, mas o caráter religioso do evento promovido pela CMJP, uma Casa que deveria ser laica. Se uma pessoa se incomodou, ela deve ter uma outra forma de credo. Ao invés de olhar para o próprio umbigo, devemos olhar para o outro em sua inteireza e complexidade”, concluiu.